Sem Cincinnati, sem ritmo: o que está por trás da decisão
Novak Djokovic não vai jogar o Cincinnati Open 2025. Pela segunda temporada seguida, o sérvio tira do calendário o último Masters 1000 antes do US Open. A organização confirmou a desistência e informou que o motivo não é médico. Na prática, isso significa que ele chegará a Nova York sem nenhum jogo oficial no piso duro norte-americano — algo raro para um jogador que sempre usou esse torneio como termômetro.
O timing chama atenção. O torneio em Ohio acontece de 7 a 18 de agosto, e o US Open começa dia 24. Desde a derrota na semifinal de Wimbledon, em 11 de julho, para o número 1 do mundo Jannik Sinner, Djokovic não voltou à quadra em partidas oficiais. Na grama de Londres, ele já parecia limitado pelos incômodos no quadril e na virilha, que surgiram após uma queda feia nas quartas contra Flavio Cobolli. Depois da eliminação, deixou claro que a mobilidade não estava no ponto. Em outras palavras: o corpo pede gestão de carga.
A decisão se encaixa no padrão que ele tem adotado nesta temporada: menos torneios, mais treinos, mais foco em picos específicos. Aos 38 anos, ele opera no detalhe. O histórico conta a favor e contra. A favor, porque períodos longos de treino costumam devolver a precisão no saque, o ajuste de devolução e a leitura de jogo que o tornam único. Contra, porque sem jogos no piso duro é difícil calibrar ritmo de tiebreak, reação nos pontos curtos e repetição de situações sob pressão — tudo o que Cincinnati oferece em condições próximas às de Nova York.
Não é a primeira vez que ele chega ao US Open sem passagem por Cincinnati. Em 2021, por exemplo, Djokovic pulou Toronto e Cincinnati após a maratona dos Jogos Olímpicos de Tóquio e, ainda assim, foi até a final em Nova York. Mas vale lembrar: naquela ocasião ele vinha de uma temporada com grande volume de partidas e confiança acumulada. Em 2025, a fotografia é outra — menos jogos, um título no ano e duas campanhas interrompidas por Sinner nos Grand Slams.
O resumo da temporada ajuda a entender o contexto. Djokovic é hoje o número 6 do ranking, tem 26 vitórias e 9 derrotas no ano, e levantou apenas um troféu: Genebra, em maio — resultado que, ainda assim, o levou à marca de 100 títulos de simples na carreira. Depois disso, jogou Roland Garros e Wimbledon, parando nas semifinais em ambas, sempre barrado por Sinner. Desde Wimbledon, não voltou a competir.
A relação com Cincinnati é especial. O sérvio soma 45 vitórias e 12 derrotas lá, com três conquistas. Foi ali, em 2023, que ele entregou um dos melhores jogos da carreira recente: virou uma final duríssima contra Carlos Alcaraz, salvando match point e vencendo em três tie-breaks. Em 2024, ele já havia aberto mão do torneio após o ouro nos Jogos de Paris. Agora, em 2025, opta de novo por não ir a Mason, Ohio — o que amplia uma tendência: é a quarta vez nos últimos cinco anos que ele pula a gira norte-americana de Canadá e Cincinnati. No Canadá, para completar, ele não joga desde 2018.
Por que isso importa? Porque Cincinnati é a transição real para o que o US Open cobra: quadras rápidas, calor, umidade, trocas curtas, saque e primeira bola mandando no ponto. Ali os jogadores ajustam detalhes finos — toss do saque contra vento lateral, escolha de devolução (bloqueio ou swing completo), posicionamento na devolução de segundo saque, padrão de retorno em 40-30, leitura do kick na esquerda em pontos importantes. Sem esse laboratório, o risco de chegar frio em Nova York cresce.
Para Djokovic, existe também a variável da saúde. Mesmo com o comunicado de “motivo não médico”, o histórico recente de desconfortos não some. Ao não expor o corpo a uma semana pesada de Masters 1000, ele reduz o risco de agravar qualquer sensibilidade. Em compensação, perde um bloco competitivo valioso contra rivais em alta rotação, especialmente Sinner e Alcaraz — e, no piso duro dos EUA, nomes como Daniil Medvedev, Alexander Zverev e os americanos Taylor Fritz e Ben Shelton costumam incomodar com devolução agressiva, saque pesado e quadras que aceleram a bola.
Do lado do torneio, a baixa tem impacto esportivo e comercial. A chave perde um multicampeão que tradicionalmente eleva o nível nas fases finais. Um lugar se abre para um alternate no quadro principal e, no quadro de cabeças de chave, pequenas redistribuições de rota podem favorecer alguém que escape de um confronto grande nas oitavas.

Ranking, histórico e as chances em Nova York
No ranking, a conta é menos dramática do que parece. Como ele já havia pulado Cincinnati em 2024, não tem pontos a defender agora. Isso não impede, porém, que possa ser ultrapassado por quem pontuar forte nesta gira, mexendo em sua posição e, por consequência, no cabeçamento do US Open. Estar fora do top 4 aumenta a chance de cruzar cedo com um dos líderes do circuito. Uma oitava de final contra Alcaraz ou Sinner, por exemplo, deixa qualquer campanha mais cara fisicamente.
Há um outro recorte possível: a corrida do ano, que mede performance só em 2025. Com um calendário enxuto e poucos pontos acumulados fora de Genebra e semis de Slam, Djokovic corre atrás nesse ranking paralelo. Não é um drama — ele já provou que sabe apertar o passo no fim da temporada —, mas serve de termômetro de consistência até aqui.
E há a narrativa maior. Antes de Wimbledon, ele reconheceu que a grama talvez fosse sua chance mais clara de chegar ao 25º Major. A derrota para Sinner complicou esse plano. Ainda assim, Nova York nunca foi terreno proibido para o sérvio: são quatro títulos no US Open (2011, 2015, 2018 e 2023) e muitas finais em condições hostis — calor pesado, público barulhento, partidas noturnas longas. Se existe alguém capaz de ajustar tudo na semana 1 e crescer na semana 2, é ele.
Qual é o plano sem Cincinnati? Intensificar treinos dirigidos. Sessões longas de saque e devolução para recuperar o percentual de primeiro serviço, simular tie-breaks sob fadiga, trabalhar transições para matar ponto com a primeira ou segunda bola, reduzir o número de passagens pela rede que exigem arrancadas explosivas — e, claro, testar o corpo diariamente. A equipe pode montar uma agenda de sets de treino com sparrings que imitem o pacote que mais o incomoda no piso duro: saque canhoto aberto no ad, forehand pesado na paralela e variação de altura para tirar o timing do backhand.
Risco existe. Sem jogos reais, detalhes de tempo de bola aparecem só no calor da competição. O primeiro set da estreia em Nova York vira um teste que Cincinnati resolveria. O benefício é evitar o desgaste de uma semana inteira de chave carregada e, eventualmente, de um título em Ohio que costuma consumir muita gasolina — como aconteceu em 2023, quando ele venceu Alcaraz em um calor de derreter.
Também é bom lembrar: com 38 anos, ele escolhe batalhas. Treino de alta qualidade, sono, rotina de fisioterapia e uma chave que ajude na primeira semana podem valer mais do que um título preparatório. A chave, aliás, vai dizer muito. Um começo com sacadores puros pode ser armadilha se a devolução não estiver no ponto. Por outro lado, um início com trocadores de fundo sem tanto peso pode dar o tempo que ele precisa para entrar em modo competição.
Para os rivais, a leitura é dupla. Sem Djokovic em Cincinnati, Sinner e Alcaraz têm caminho mais limpo para disputar o título e somar confiança. Em Nova York, eles chegam com mais horas de voo no piso duro, algo que pesa em tie-breaks apertados. Medvedev, que historicamente se sente em casa em quadras rápidas dos EUA, se beneficia do mesmo efeito.
Olhando para Cincinnati em si, a ausência corta um fio que liga o torneio à história recente do circuito. A edição de 2023 virou referência pela final épica com Alcaraz — intensidade, viradas, resistência ao calor e ao nervo. É justamente esse ambiente que costuma revelar quem está pronto para os sete jogos em Flushing Meadows: clima pesado, quadra que acelera, detalhe técnico decidindo ponto grande. Em 2025, Djokovic escolhe chegar a esse exame final direto na prova.
A equação do ranking continua aberta até o sorteio do US Open. Com 4.130 pontos, na sexta posição, ele não perde nada por Cincinnati, mas está exposto a oscilações se concorrentes diretos dispararem. A diferença, neste momento da carreira, é que a semente importa menos do que o estado de forma na semana 2 do Slam. Se a perna responde, se o primeiro saque volta a passar de 65% com poucos pontos de break oferecidos, a conversa muda rápido.
No fim das contas, a desistência diz mais sobre estratégia do que sobre dúvida. Quem viu a queda em Wimbledon sabe que forçar agora seria caro. Ao mesmo tempo, quem conhece o histórico sabe que ele já desembarcou frio em Nova York e quase levou tudo. Entre a prudência e o risco, Djokovic escolheu a linha do meio: treinar forte, poupar o corpo e confiar na capacidade de evoluir rodada a rodada. Daqui até 24 de agosto, o relógio trabalha junto — e o torneio também.
O US Open terá a chave principal de 24 de agosto a 7 de setembro. O período entre hoje e a estreia deve ser preenchido com treinos em quadras duras sob condições semelhantes às de Flushing Meadows: calor, umidade e bola viva. O primeiro sinal de como essa aposta se paga virá nos primeiros games da estreia — no barulho da Ashe, no primeiro 30-40 contra, no tie-break em que a mão precisa estar firme. É ali que a opção de pular Cincinnati se prova um atalho inteligente ou um desvio arriscado.